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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Diário de Trabalho 019 - Por Edson Fernando

Persistimos nas últimas duas semana no trabalho de criação da Cena 10 - Quarto de Maria. Os atuantes apresentaram muita dificuldade para apreender e propor algo que se apresentassse para além do texto dramático. A persistência provou-se necessária e hoje conseguimos estabelecer o caminho que deve ser amadurecido para compor a atmosfera "dramática" da cena. 

Importante ressaltar, antes de tudo, que a relação palco/plateia começa a ser experimentada a partir de uma disposição espacial  triangular. 

     Atuantes na parte interna do triângulo formado pela plateia  palco/plateia

A opção pela forma do triângulo, a princípio, foi meramente intuitiva. Não queria reproduzir uma arena redonda, já bastante utilizada em montagens experimentais, então, pensei: quais implicações teria, primeiramente, o atuante trabalhando num espaço de plateia triangular? Como o espectador se sentiria assistindo a montagem nesta disposição? A partir destas questões, comecei a tentar justificar tal relação palco/plateia dialogando com o conteúdo do indutor trabalhado na montagem, isto é, o texto dramático . Assim, a ideia recorrente do títere localizada por autores como Anatol Rosenfeld e o próprio Fernando Marques é pensada nesta disposição espacial do seguinte modo: Zé, o títere que se encontra no centro do triângulo e que é movido por uma força centrifuga; cercado por uma multidão desconhecida (espectadores) é arrastado durante toda a peça para os vértices do triângulo, lugar de reduzido espaço físico; aproximar-se do vértice é intensificar a crise existencial sofrida pelo personagem, pois é no vértice que o contato com a multidão (espectadores) se estreita, se faz pleno pela impossibilidade do ponto de fuga; em face do vértice o personagem vê sua humanidade também estreitar-se, pois não se reconhece numa multidão esvaziada de subjetividade critica. 


 Brida Carvalho pesquisando a composição do papel Maria na Cena 10.


A disposição espacial triangular começou a ser experimentada exatamente na Cena 10 - Quarta de Maria. A atmosfera da cena começou a ser delineada em nosso último dia de trabalho (19.09) depois de inúmeras tentativas e experimentações por parte dos atuantes. O trabalho de apreensão teórica da cena tem norteado cada passo dado. Desse modo, Brida Carvalho chegou a proposição de que o papel Maria, nesta cena, é um peso, um fardo na vida de Zé. Determinou os verbos carregar/pesar como indutor para ação a ser desempenhada em cena. A partir deste posicionamento da atuante o trabalho foi aplicar tais verbos como elementos indutores para criação de signos teatrais para compor a cena. Depois de experimentar muitas coisas sem êxito, propus um estado de espírito absolutamente alegre e tranquilo tendo como linha de ação um riso frouxo, descontrolado, a princípio absolutamente descomprometido de tudo, um riso inconsequente e contagiante; gargalhadas e mais gargalhadas num crescente. A ideia é trabalhar  os verbos que a atuante determinou (carregar/pesar) pensados na perspectiva do personagem principal, isto é, Zé. Quem carrega Maria é o protagonista, Zé; é ele quem sente o peso de carregá-la; quanto mais leve e sorridente se apresentar Maria maior deverá ser o peso  sentido por ele. 

O exercício proposto à Brida para desempenhar esta ideia determinou que ela começasse a rir naturalmente do texto, mantendo sempre relação com a plateia; o riso vai se intensificando a ponto da atuante não conseguir parar de rir; a atuante deve terminar a cena rindo descontroladamente como se pedisse ajuda para parar de rir. Aqui, novamente a ideia do títere - recorrente na obra de Bücher - é trabalhada: Maria é aquela que ri, sem saber por que e nem tem a capacidade de controlar este riso. 

 Silvia Luz pesquisando a composição do papel Maria na Cena 10.

O estado de incontrolável riso deve contrastar com a condição de Zé, absorto em sua crise existêncial. Silvia havia determnado para desempenhar esta cena o verbo girar. Depois de diversas tentativas e proposições sem êxito chegamos a ideia do homem que caminha em círculos (pesquisada por Wallace em trabalho na mesma cena). Assim, enquanto temos Maria rindo incontrolavelmente durante toda a cena, temos Zé caminhando em círculos em atmosfera completamente diferente. Ele é o títere que não se dá conta que  caminha em círculos. Todo o peso determinado por Brida para o papel Maria, recai no modo como Zé caminha. Para desenvolver esta ideia recorri ao expediente da dificuldade física real: Silvia realizou repetidas vezes a cena carregando uma pilha de bancos (observe foto acima) até descobrir o ritmo e, sobretudo, a gravidade da caminhada de Zé. O resultado apareceu depois da insistência no exercício: Zé caminha em círculos, arrastando o pé em ritmo lento, com olhar fixo sempre a frente e em estado de introspecção total.          

 




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